Pouco antes de as manifestações pelo fim da brutalidade policial explodirem, Little Fires Everywhere (Pequenos Incêndios por Toda Parte) estreou no Brasil pela Amazon Prime, levantando várias discussões sobre questões raciais, preconceito e briga de classes.
A série original Hulu inspirada no romance de Celeste Ng, publicado no brasil pela editora Intrínseca, recebeu 3 indicações ao Emmy 2020 como: melhor mini série, melhor direção de mini série e a maravilhosa Carrie Washington como Melhor atriz em mini série.
Leia nossa texto com a lista dos indicados ao Emmy 2020.
Littler Fires Everywhere foi um dos últimos trabalhos de Lynn Shelton. A cineasta natural de Ohio onde também se passa a trama da série, faleceu em maio de 2020 com 54 anos em decorrência de uma doença causada por um distúrbio sanguíneo. Produtora, atriz, roteirista e diretora conhecida pelas produções independentes “O dia da Transa” e “A Irmã da sua irmã”, Lynn também trabalhou em Mad Men, New Girl, Master of None e Glow.
Protagonizada e produzida por Reese Witherspoon (The Morning Show) e Kerry Washington (Scandal), a história é ambientada na década de 1990 na cidade de Shaker Heights e gira em torno do encontro de duas famílias diametralmente diferentes, lideradas por Elena Richardson (Witherspoon) e Mia Warren (Washington).
Como toda adaptação, as comparações são itens obrigatórios mas a linha guia presente nas duas obras é ainda mais importante e já dá o tom desde o começo.
Elena Richardson e sua família observam sua mansão ser consumida pelo fogo enquanto descobrem o sumiço da caçula, Izze (Megan Slott), dando a entender que ela pode ser a responsável pelos “pequenos incêndio por toda parte” que os primeiros bombeiros a chegar puderam constatar.
A história volta quatro meses no passado e começa dar o tom da trama com Witherspoon e Washington como protagonistas. De um lado Elena, uma mãe rica e branca com quatro filhos que sempre tiveram acesso ao bom e o melhor, e do outro Mia, uma mãe, artista, negra e pobre que se muda constantemente sem criar raízes por onde passa.
Logo no primeiro episódio as diferenças gritantes entre as duas protagonistas são escancaradas e servem de linha guia da trama. De um lado uma mulher controladora que ainda nova já tinha planejado toda sua vida e mede a quantidade de vinho que toma e do outro uma mulher orgulhosa com um passado misterioso e sem amarras.
A chegada de mãe e filha a Shaker Height, um subúrbio calmo, auto centrado em suas próprias regras e planejamento em Cleveland, onde as casas têm um padrão de pintura a ser seguido, onde o lixo tem que ficar no fundo das casas para não ser visto e as escolas são consideradas modelo a ser seguido, muda para sempre a vida da família Richardson.
Enquanto os mundos das duas colidem, a série aproveita de forma necessária temática racial, sexual e de gênero mais densamente quando colocadas sob a perspectiva do livro.
É uma história sobre os desafios da maternidade em uma época em que a emancipação feminina chegou ao seu ponto de eclosão dando um toque de realidade crua de mães que precisam sobreviver da sua maneira enquanto tomam consciência do peso de suas decisões na criação dos filhos.
Algumas diferenças entre o livro e o filme
A raça como tempero adicional
Neste momento, a diferença principal entre o livro e a série já impõe seu principal objetivo. Celeste Ng criou Mia e Pearl como personagens brancas, principalmente por ser onde encontra seu lugar de fala. A própria autora em entrevista ao New York Times se disse feliz pela séria trazer a temática racial a superfície de uma forma que ela não abordou.
Na série, o contrastes não se dá apenas por questões sociais, a produção ganha uma camada mais densa e complexa nas diferenças entre os mundos das protagonistas.
A sexualidade de Izzy
Nos dois textos, Izzy (Megan Stott) é apresentada como a ovelha da família, a filha rebelde que faz tudo para desdenhar de tudo que a mãe fala.Mas na série, a filha caçula tem sua sexualidade colocada em foco quando sofre bullying na escola por ter supostamente se insinuado para sua melhora amiga.
Ainda sobre Izzy, outra diferença entre a obra original e a adaptação é o motivo das desavenças entre mãe e filha. A série deixa claro que a filha rebelde não foi planejada por Elena, que tinha acabado de voltar a trabalhar depois de do nascimento de Moody, seu terceiro filho.
No livro, os embates das duas se dá principalmente pelas diferenças entre as personalidades, mais livres da jovem e muito controladora da mãe, traumatizada pela fragilidade de uma Izzy prematura e frágil recém nascida.
Pauline, de mentora a amante
Em ambas as obras Mia estudou em uma famosa escola de artes em Nova York. Suas habilidades fotográfica e artísticas chamaram a atenção de Pauline Carlson (Anika Noni Rose) que logo se tornou sua mentora. Aí que as diferenças começam. Na série, além de mentora, Pauline logo desperta sentimentos por sua protegida e elas se tornam amantes.
Na obra literária, aluna e professora se tornam boas amigas, construindo uma ligação apenas de aprendiz e mestre.
Dois finais diferentes
No livro, Izzy se revolta com a forma como sua família tratou Mia e Pearl e antes de fugir, começa o incêndio que destruiu a casa, com pequenos fogaréus na cama dos irmãos. Na séries, quando ela começa a despejar gasolina em sua cama é impedida por seus irmãos mas depois de mais um acesso de raiva da mãe que causa a fuga da irmã caçula, Lexie, Moody e Trip se revoltam ao perceber que a mãe é a culpada por tudo e terminam o que Izzy havia começado.
O que leva a mais uma diferença. No texto original, Izzy é considerada a culpada enquanto na série Elena se dá conta que foi a causadora de todos as dores e sofrimento dos filhos e se responsabiliza pelo incêndio.
O presente de despedida
No livro, antes de sair da casa alugada em Shaker Heights, Mia deixa um envelope com um conjunto de fotos para cada membro da família Richardson com a forma como ela os enxerga e com uma mensagem que só a pessoa a quem foi direcionada consegue entender.
Já na série, ela cria uma grande maquete da cidade com uma mensagem principalmente para Elena.
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