Nos últimos tempos, com a criançada em casa, os pais têm precisado se reinventar. Não bastasse o malabarismo para o home-office e as atividades domésticas, é também preciso manter as crianças entretidas em suas próprias atividades e brincadeiras.
Pensando nisso, convidamos a escritora e contadora de histórias Cléo Busatto para um bate-papo, onde ela não só nos deu dicas de como incluir a literatura nas brincadeiras, mas também contou um pouco mais do seu incrível trabalho.
Para quem não a conhece, Cléo é autora de mais de 25 obras que transitam entre temas como infantojuvenil, oralidade e mídias digitais. Eles fazem parte de programas de leitura e catálogos internacionais, como o da Feira do Livro Infantil de Bolonha – Itália. Em 2016, “A fofa do terceiro andar” foi finalista ao Prêmio Jabuti, na categoria juvenil. É uma artista das palavras, como é conhecida.
Cansei de Ser Pop – Numa sociedade em que o entretenimento está nas telas do celular e tablet, quais as dificuldades de manter as crianças focada no mundo offline?
Cleo Busatto – Quando as crianças não encontram nada mais interessante que o mundo virtual, elas ficam por lá. Mas se você oferecer coisas tão estimulantes, como as que ela encontra no meio digital, ou até mais interessantes, ela larga o celular e o tablet. Brincar e ler, por exemplo, são duas atividades que pedem um sujeito presente na ação, se ele não estiver, a ação não se concretiza.
Vamos falar em leitura literária, como forma de manter as crianças offline: eu digo que o livro é o único suporte que carrega a literatura, que não precisa de tomada para ligar. O livro é um companheiro para todas as horas. Você o carrega para cima para baixo, só não leva para o chuveiro. Ou leva, tem livro para criança que você leva para o banho, sim, que é o livro-brinquedo. O livro distrai, educa, conforta e traz alegria, como diz minha mãe.
Contar história é outra forma de mantê-las offline, com qualidade. Para isso não precisamos de nada além da voz, da corporalidade e dos sentimentos que nos habitam. Imagina os homens da caverna contando histórias ao lado de uma fogueira, à luz da lua. Eles criaram a narração oral de histórias. Então é isso, para manter a criança offline e entretida, conte e leia uma história
CSP – Como contadora de histórias e especialista em manter crianças atenta apenas em você, quais dicas você pode dar a quem está em casa tendo que usar todas as ferramentas para entreter suas crianças?
Cleo Busatto – Antes de tudo, contar com o coração, ou seja, estar disponível para esta ação. Contar história não pode ser uma obrigação. Deve-se fazer desse momento um instante de prazer e partilha de afetos. Se os pais não têm capacidade de memorizar uma história, que abram um livro e leiam, mas leiam com vontade, nada daquela leitura monótona e insossa.
Uma boa leitura pede intenção, pede ritmo, pede a construção de imagens no ar. Estas são algumas técnicas que descrevo nos meus livros: “Contar e encantar, pequenos segredos da narrativa”; “A arte de contar histórias no século XX” e “Como vender, a arte de se comunicar contando histórias”. Neles eu abordo os três pilares para a narração oral: ritmo, intenção, imagens.
CSP – A coletânea de contos Minúsculos elucida a complexidade da alma humana e valorizam a formação da consciência pessoal, a partir da reflexão das situações cotidianas, além de falar às crianças que é possível crescer livre de preconceitos e juízos equivocados nas relações pessoais. Existem histórias ou feedbacks dos pais sobre a mudança de perspectiva da criança em relação a estes temas?
Cleo Busatto – “Os Minúsculos”, ainda não foi lançado. O lançamento deve acontecer no segundo semestre, se o Covid19 deixar. Cansei de ser pop é o primeiro canal que divulga esse livro. Então, eu ainda não tenho um retorno dele, mas eu posso falar de outros livros que escrevi.
Existe uma resposta, sim. O “Histórias que eu gosto de contar” é um livro que revelou a origem de Ana Clara. Ela é uma menina que foi adotada e os pais ainda não tinham revelado isso para ela. Aguardavam o momento adequado, e ele surgiu quando ela leu uma das histórias, onde o personagem é um menino adotado que fica sabendo disso através dos colegas de escola, e de uma forma muito ruim.
A complexidade da alma humana está presente nos meus livros, porque essa temática é muito significativa para mim. Numa outra situação, a mãe da Ana Clara veio me contar que ela leu “A fofa do terceiro andar” e descobriu que é importante falar sobre os sentimentos. Ana Clara é uma menina tímida e através da identificação com a personagem ocorreu esta descoberta pessoal.
Tem outras revelações que chegam até mim e me deixam muito feliz. A literatura tem este poder de despertar o leitor para realidades que ele desconhecia e para o autor, para mim, ao menos, não há recompensa maior que esta.
CSP – Como mulher, como você utiliza seu lugar de fala para pautar assuntos como feminismo, por exemplo. E qual a forma você acredita ser mais lúdica e assertiva para falar sobre empoderamento e machismo.
Cleo Busatto – A literatura é o espaço para falar sobre estes assuntos e eu lanço mão desta arte para propor reflexões, seja para crianças, jovens ou adultos. Estou finalizando um livro que aborda o feminismo, o machismo e as relações abusivas provocadas por ele. Uma das personagens deste romance vive no início do século passado, era uma feminista, mas foi sufocada pela cultura da época.
Mais que o feminismo, me interessa o feminino, um tema que me encanta. O feminino é o espaço do acolhimento, disponível a todas as pessoas, independente de gênero, raça ou condição social. O feminino transpassa essas camadas e nos torna mais humanos, generosos e tolerante.
CSP – Alguns nomes conhecidos como Emicida, Lázaro Ramos, Elisa Lucida, entre tantos outros, estão também no universo da literatura infantil, com protagonistas negros e trazendo a pauta identitária para o universo da literatura infantil. Como escritora, como você trabalha essas pautas como o racismo e a inclusão de personagens negros para seus livros?
Cleo Busatto – Sim, trabalho. Inclusive “Os Minúsculos” fala do racismo nas relações infantis. Um menino negro não é acolhido no jogo de futebol de meninos brancos. A inclusão está presente nos meus textos, não apenas com relação aos personagens, mas também com relação aos temas.
CSP – Se fosse para transformar um livro seu em um musical ou um filme hoje, qual você escolheria? Por quê?
Cleo Busatto – “A fofa do terceiro andar”. Adoraria transformá-la num musical, num filme. Ela está disponível. Alguém se habilita?
CSP – Para finalizar, quais livros seus, até mesmo de outros autores, você recomenda hoje para cada fase da infância?
Cleo Busatto – Inicialmente quero indicar meus livros. Aguardem “Quatro histórias de amor para pequenos leitores”. Este é outro lançamento do ano, juntamente com “Os Minúsculos”. “Quatro histórias…” é um livro lindo, para os pequenos, no estilo road movie. Os personagens circulam pelo mundo. Também para crianças: “O tempo das coisas” e o “O livro dos números bichos e flores”. Para quem tem mais fôlego de leitura, indico “Histórias que eu gosto de contar”. Para os adolescentes, “A fofa do terceiro andar”.
Autores que eu amo: as poesias para crianças da Cecília Meireles. Os contos da Marina Colasanti para adolescentes e adultos. Os livros do Carlos Ruiz Zafón Carlos, na linha suspense, mistério, para adolescentes e adultos também. Mia Couto, para todas as idades. Érico Veríssimo, dos oito aos oitenta. Alice Munro, uma canadense Prêmio Nobel, amo os contos dela e sua capacidade narrativa.
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