Muitos artistas brasileiros estão espalhados pelo mundo se apresentando nos mais consagrados teatros e estudando nas maiores escolas de artes, entre eles, o ator Daniel Mazzarolo que, após se aprofundar nos estudos do teatro, segue levando seu talento para grandes produções mundiais.
Formado em Artes Cênicas na Escola de Comunicações e Artes da USP, onde iniciou seus estudos na dramaturgia. Depois de fazer um intercâmbio na Université Paris X, em Nanterre, na França, Daniel voltou para o Brasil e trabalhou em diversas produções teatrais e cinematográficas.
Em 2007, fundou o grupo teatral [pH2]: estado de teatro, e realizou produções que ganharam diversos editais e chegaram a representar a América do Sul no Festival Büchner International em Giessen, Alemanha, em 2013.
Além disso, trabalhou com o premiado diretor mineiro Gabriel Villela em espetáculos como Peer Gynt — vencedor de 8 Prêmios São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem, além de Boca de Ouro (ganhou um prêmio Aplauso Brasil) e Estado de Sítio (levou um prêmio Shell).
Trabalhou com a diretora Mika Lins nas peças Palavra de Rainha — vencendo dois prêmios Arte Qualidade Brasil — e no espetáculo “A Tartaruga” de Darwin e Tutankaton.
Ainda que seu currículo artístico apenas com sua formação nacional seja invejável, o ator, produtor e diretor Daniel Mazzarolo, movido por múltiplas opções e sentimentos, encontrou na oportunidade de estudar no conservatório The Neighborhood Playhouse of the Theater, em 2018 — onde se formou em 2021 — a chance de ampliar seu repertório nas artes um pouco mais e viver novas experiências artísticas fora do Brasil. Mais do que isso, também mostrar seu talento já reconhecido aqui para o mundo.
Ainda vivendo em Nova York, depois de se formar no conservatório, Daniel produziu e atuou na peça Miss Jules, de August Strindberg, e Passin’, de Vivian Bonnie Wright.
Durante as pausas nos ensaios e claro, nos estudos — parte de sua profissão que não abre mão —, Daniel conversou com o Cansei De Ser Pop sobre essa jornada e sua estreia na peça “Radium Girls”, uma produção que aborda temas delicados, porém presentes na história da construção dos direitos trabalhista mundial.
Confira nossa entrevista com o ator Daniel Mazzarolo
Mesmo fazendo teatro, cinema e outras vertentes das artes no Brasil, você optou por seguir uma carreira internacional em um mercado mais concorrido e ao mesmo tempo mais valorizado no exterior. Por que decidiu tentar esses novos desafios e como surgiu essa ideia de mudança?
DM: Eu sempre tive vontade de vir para o exterior para estudar, trabalhar e ampliar meus conhecimentos nas artes, em especial no teatro. Quando resolvi sair do Brasil em 2019, na verdade comecei pensando em fazer um curso de mestrado, alguma coisa mais acadêmica, só que o ano letivo é diferente aqui, no hemisfério norte: começa em setembro e não em janeiro.
Então, os cursos só estavam com vagas abertas para dali um ano e eu descobri que existiam esses cursos conservatórios que são mais técnicos, aí me inscrevi e fui aprovado. Acabei vindo pra cá e estou aqui ainda.
Você tem uma longa jornada de estudos na área artística e em diversas áreas da artes. Conta um pouco como surgiu esse amor e essa profunda dedicação pelos estudos teóricos da atuação.
DM: Comecei a fazer teatro ainda criança, sempre fui apaixonado por teatro. Quando chegou o momento de fazer faculdade, fiz vestibular para Artes Cênicas e passei no curso da USP (Universidade São Paulo), e naquela época era um curso muito focado em teoria e pesquisa, tinha uma ideia de formar Artistas/Pesquisadores/Pedagogos.
Então, isso sempre foi uma coisa muito próxima de mim, sempre foi muito importante, era algo que sempre esteve na minha mente. Essa coisa da pesquisa, da teoria foi muito forte na minha formação como ator.
Depois que me formei, eu tinha um grupo de teatro, Ph2 Estado de Teatro, que também tinha muitas referências literárias, cinematográficas, filosóficas e desde então continua sendo uma parte importante da minha vida conseguir equilibrar a teoria e a prática. O que acho extremamente importante (e as pessoas com quem acabei trabalhando também pensam assim) são profissionais que sempre valorizaram muito estudo teórico em equilíbrio com a prática e não um em função do outro.
Antunes Filho e Gabriel Vilella são dois grandes nomes no teatro brasileiro, ambos com métodos próprios de direção, um com o estilo mais de entrega única e abandonando o exibicionismo e o outro já tem um estilo barroco, mais visceral. Como foram essas experiências?
DM: Foram experiências absolutamente enriquecedoras, foi um privilégio poder trabalhar com artistas dessa envergadura, dessa grandeza e pessoas com estilos tão diferentes de direção, de trabalho e com poéticas tão distintas que só ampliaram o meu repertório com atores, só enriqueceram minhas possibilidades dentro da atuação e também como diretor, produtor, espectador de teatro e mais especificamente como ator essas vivências tão diversas foram muito enriquecedoras para o meu ofício.
Seu currículo artístico tem projetos em diversos idiomas, qual você considera mais confortável para dar vida aos personagens?
DM: Converso muito sobre isso com meus amigos aqui nos Estados Unidos. É claro que o português é a minha língua materna, então é muito confortável, a gente entende a poesia da língua e temos nossos grandes dramaturgos que estão fundamentados no idioma português brasileiro.
Nelson Rodrigues, Vianinha, Jorge Andrade…No exterior e no Brasil, já tinha feito espetáculos em outros idiomas. Aqui (EUA) em inglês, francês e espanhol, mas uma coisa interessante de fazer espetáculo em outra língua é que parece que automaticamente você já está fora de si. Então, já não é mais você saber que você não está falando a sua língua materna.
Acho que isso é um facilitador já que te coloca em outro lugar desde o idioma do personagem, tipo: Já não é o Daniel. Não sei se consigo escolher uma preferida, mas português é minha língua materna.
Atualmente você está em cartaz com o espetáculo “Radium Girls” que aborda temas muito pertinentes como acidentes trabalhistas. Você acredita que os direitos e a importância dos artistas já estão estabilizados na sociedade contemporânea mundial?
DM: É uma peça que conta a história de mulheres que trabalhavam em uma fábrica onde pintavam ponteiros de relógios para serem usados por soldados durante a Primeira Guerra Mundial, no final da década de 1910 até meados dos anos 1920.
Elas usavam uma mistura com o elemento Rádio (Ra), que era ainda recém-descoberto, e essa mistura tinha propriedades fluorescentes que foram importante para a guerra. Mesmo depois do conflito, continuaram usando, mas ninguém sabia que era venenoso.
Então as mulheres — acreditava-se que as mulheres tinham mais delicadeza, então era uma fábrica só de mulheres — colocavam o pincel contaminado por essa mistura na boca para deixar a ponta o mais fino possível para deixar que os ponteiros ficassem perfeitos. Isso contaminou a mandíbula de muita gente, a gengiva, os ossos vieram a apodrecer e muitas até falecer.
Uma coisa horrível, né? A gente não aprende muito sobre isso, mas foi determinante na conquista de direitos trabalhistas aqui nos Estados Unidos e imagino que no mundo também. Porque elas processaram a empresa e ganharam. Foi um divisor de águas nos direitos trabalhistas.
É muito importante poder contar essa história, é muito legal e é baseado em personagens reais, eu interpreto, por exemplo:
Um dentista chamado Dr. Knef (Joseph Knef), que existiu na vida real e que descobriu que o rádio era o elemento que poderia ser o responsável por isso, mas depois ele tenta chantagear a empresa para ganhar dinheiro dizendo que vai mentir sobre as descobertas dele se a empresa lhe desse dinheiro.
Enfim, algumas histórias das mulheres da fábrica, os personagens femininos da peça e alguns executivos são todos baseados em pessoas que existiram na vida real e tudo isso aconteceu em Nova Jersey.
Eu acredito que não está muito claro no Brasil atualmente. Eu não saberia dizer sobre os direitos de todos os países, mas no Brasil a gente sabe que está vivendo um momento delicado na cultura e na arte onde nós, artistas, somos criminalizados.
A gente teve muitas conquistas nas últimas décadas como projetos de lei federais, estaduais e municipais, com financiamento tanto do setor privado como no setor público e atualmente a gente tá vendo um total descrédito dos artistas, uma total criminalização das artes e da cultura.
Então, nada é tão garantido que não possa retroceder e a gente tá vivendo exatamente isso, agora. Então, respondendo sua pergunta, acho que não, os direitos não estão estabilizados.
Aqui nos Estados Unidos, acho que talvez a atual conjuntura permita que sim, há uma maior estabilidade e existem países na Europa que têm mais estabilidade ainda, né? Alguns têm várias companhias estatais, teatros estatais e isso é muito legal e o Brasil atualmente está num momento bem complicado, mas o bom é que temos muitos exemplos que deram certo, espero que a gente saia dessa.
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