
Um dos maiores cineastas americanos do século passado, Sidney Lumet (1924-2011) iniciou sua carreira no teatro antes de passar a dirigir televisão em 1950 e, em seguida, filmes a partir de 1957, construindo uma honrosa reputação por fazer dramas realistas e corajosos que questionavam as autoridades em mais de 50 produções. Muitos garantiram a classificação de obra-prima, como Network (1976), lançado no Brasil como Rede de Intrigas.
Com roteiro de Paddy Chayefsky, o longa foi um dos primeiros a falar sobre a América obcecada pela televisão. O enredo narra a tensa decisão de Howard Beale, um famoso apresentador de telejornal que, depois de ser despedido após 25 anos na emissora, anuncia, ao vivo e em rede nacional, que vai se matar.

Inicialmente reprovada, a atitude do jornalista logo é encampada pela direção da emissora, entusiasmada com o crescimento vertiginoso de audiência e repercussão em outras mídias. O objetivo é faturar o máximo possível em cima da desgraça. No elenco primoroso, destaque para Faye Dunaway, William Holden e Peter Finch, que ganhou um Oscar póstumo de melhor ator coadjuvante no papel de Beale.
Chayefsky teve a ideia no início da década de 1970, quando percebeu que o público da televisão americana, então bombardeado por notícias terríveis como a Guerra do Vietnã e o escândalo do Watergate (que terminou com o impeachment do presidente Richard Nixon), não queria assistir a programas alegres e felizes para a família. Como ele escreveu: “o povo americano está com raiva e quer programas com raiva”.
Network é uma sátira sombria sobre um âncora de notícias instável, uma emissora e um público telespectador muito feliz em segui-lo à beira da insanidade. Lumet e Chayefsky buscavam, com sua história impiedosa, mostrar aos americanos como suas almas estavam sendo devoradas pelas grandes emissoras de televisão, que impunham uma nova mentalidade com seus programas.
“Seu humor não é gentil nem generoso. É tão severo e apocalíptico quanto possível sem alienar o público a que se destina”, escreveu então o crítico de cinema do The New York Times, Vincent Canby, em 1976.
Seu roteiro ainda é admirado tanto por sua precisão preditiva quanto por sua veemência: um implacável senso de propósito. Atualmente, o que determina a ação e o pensamento das pessoas são os conglomerados empresariais, as multinacionais. O mundo como negócio.
Quando recebeu seu Oscar pelo roteiro de A Rede Social (2010), Aaron Sorkin citou Chayefsky ao lembrar que nenhum preditor do futuro — nem mesmo George Orwell, autor de 1984 — jamais esteve tão certo quanto Chayefsky quando escreveu Rede de Intrigas.
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A adaptação para o teatro de Network (Rede de Intrigas), em 2018, manteve a emissora de televisão como pano de fundo e também ambientou a história nos anos 1970. Mas, se a TV hoje já não tem a mesma força que há 40 anos, a adaptação feita por Lee Hall é inteligente ao se aproveitar do uso que hoje se faz de várias telas (celular, tablet, computador, a própria TV) para mostrar como a vida se transformou em um imenso reality show.
A imersão era tamanha que havia uns poucos lugares no palco que eram vendidos para o público, dando direito ao privilégio de ver a montagem em detalhes. Bryan Cranston viveu o âncora que anuncia ao vivo o próprio suicídio, mas o sucesso em que ele se transforma (também viralizado pela direção da emissora) o leva para um messianismo que terá uma trágica consequência.
A produção da peça era esmerada, com telas espalhadas por todo o teatro, possibilitando que o espectador — principalmente aquele sentado em um lugar que permitia ver tudo — conseguisse assistir a todos os detalhes em close. Em diversos momentos, inconscientemente, prestava-se mais atenção na tela do que na própria encenação, que acontecia ali, ao vivo. Vinha daí o brilho de um ator como Cranston que, com experiência em séries e cinema, soube lidar com a câmera e, principalmente, com o close, algo que o teatro convencional não oferece.
“Cranston, como convém a alguém que interpreta um rebelde indomável, rompe as fórmulas do roteiro de Lee Hall, que honra Chayefsky, para criar um retrato furioso e sangrento de um homem que é uma criatura e prisioneiro de um médium satânico”, escreveu o crítico do The New York Times, Ben Brantley. “É um lembrete aterrorizante de como uma figura pública humana demais, cheia de raiva, com acesso a um palco mundial, pode ser confundida com um deus.”
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