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O que faz de um artista um “ícone pop” nos tempos de feed infinito?

De Cher a Chappell Roan: o que mudou com o alcance do TikTok e a chegada da “cultura stan”? A superexposição, a intimidade encenada e a pressa pelo título de “icônico” bagunçaram a ideia de “ícone do pop”?

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O que faz de um artista um “ícone pop” nos tempos de feed infinito?
Entre mitologia e algoritmo: como a intimidade encenada e a era do TikTok bagunçaram a construção do “ícone” na cultura pop. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

O impacto de um ícone pop cabe num story?

Dos anos 90 até 2010, os chamados “ícones do pop” eram vistos quase como entidades. Artistas como Cher, Michael Jackson, Madonna e Britney Spears não eram só artistas, eram mitologias ambulantes.

Apenas suas existências e simples movimentos, como andar por Los Angeles, geravam milhares de dólares para paparazzi e veículos de imprensa.

As celebridades do pop eram intocáveis, distantes, inatingíveis e pensadas para parecerem maiores do que a própria vida

Quando cada aparição era um evento: Cher personificou a era em que o mistério e a distância eram essenciais para a construção do ícone pop.
Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

Elas não postavam stories, não faziam lives no TikTok e o público não sabia das crises existenciais, não via as espinhas antes dos shows e muito menos sabia – a não ser através de fofocas – sobre seus relacionamentos mal-sucedidos.

E assim, os fãs acompanhavam ansiosamente quando cada novo videoclipe seria lançado, quando haveria uma performance em uma premiação ou uma aparição no Fantástico para uma entrevista exclusiva.

Essas entrevistas eram raras e, fora delas, o resto era silêncio e silêncio era um luxo. O distanciamento tornava o astro pop um ícone precioso.

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Hoje, com as redes sociais funcionando como um reality show permanente da vida de cada artista, a construção desse mistério virou uma estratégia ultrapassada.

A lógica mudou: agora os fãs querem acesso à intimidade, os algoritmos exigem presença e exposição constante, e o coitado do “mito” ou “ícone”, que também precisa de um respiro, fica sufocado.

Diante deste cenário, ainda é possível conciliar a frequência com o impacto que um ícone pop precisa causar?

Madonna, Beyoncé, Lady Gaga e Kendrick Lamar: os resistentes

Se ainda existe algo parecido com a velha cartilha de construção do “ícone pop mitológico”, as cantoras Madonna, Lady Gaga, Beyoncé e o rapper Kendrick Lamar são ótimos exemplos da aplicação desse método.

Eles entenderam que ausência também é presença, e é justamente isso que fortalece o imaginário diário dos fãs.
Beyoncé só aparece quando tem espetáculo para entregar completo: visuais, música, turnê e conceito.

Lady Gaga transforma cada aparição em um evento único, sua chegada até mesmo em um desembarque no aeroporto vira uma performance.

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Kendrick Lamar desaparece completamente e, depois de um bom tempo, ressurge com um novo conceito, completamente amarrado, e a sensação é de que cada obra fecha um ciclo histórico.

Madonna é capaz de passar mais de 10 anos sem dar entrevistas, se não for para falar de um lançamento.

Não é preciosismo, é estratégia. Menos exposição e aparições pontuais planejadas. Enquanto isso, quem posta todo dia vira figurinha repetida.

O algoritmo até sorri e agradece, mas a história não parece se escrever com excesso de conteúdo, e sim com momentos únicos e pontuais que marcam o tempo.

A aparição frequente garante lembrança, mas raramente essa lembrança é atrelada à obra dos artistas, e sim às suas vidas pessoais.

Entre mito e humanidade: a construção estética e performática de Beyoncé equilibra vulnerabilidade e controle narrativo. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

E a identificação dos fãs com a humanidade dos seus ídolos compromete a entrega do impacto necessário para ficar na memória coletiva.

Saber o momento certo para aparecer é o que molda a memória coletiva.

Quando tudo vira conteúdo, quase nada vira um marco e os grandes ícones da indústria cultural já provaram que o pop não vive apenas de volume, e sim de momentos pontuais que atravessam o tempo.

O poder do legado: mesmo décadas depois, Britney continua sendo referência de performance e estética pop no imaginário coletivo. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

A escola TikTok e a estética da vulnerabilidade

Por outro lado, existe uma nova geração de artistas que encontrou no mundo digital a possibilidade de chegar aos palcos principais.

Cantoras como Chappell Roan, Tate McRae e Addison Rae, por exemplo, misturam em suas músicas letras fortes e confessionais com vídeos que expõem vulnerabilidade performática.

Demonstram falhas, choram, riem, mostram os bastidores, exageram nos looks e nos dentes de ouro. É divertido, humaniza, é engraçado e próximo dos fãs. E funciona porque quebra a parede do ídolo inalcançável.

Entretanto, aí mora a contradição: até que ponto essa exposição é espontânea? Quando a vulnerabilidade entra na planilha das relações públicas, não vira um produto?

A autenticidade no pop sempre foi editada e isso não significa falsidade, mas lembra que até a lágrima tem enquadramento e luz certa para aparecer.

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Os ícones com síndrome de onipresença

A grande verdade é que, na indústria da música e da cultura pop, nunca se produziu tanto conteúdo. São documentários, collabs, realities, teaser do teaser, making of da divulgação, cronograma de pré-save e a vida da celebridade virou um roteiro de marketing 24/7.

Como resultado disso, vem a exaustão criativa, a saturação da imagem pública e o cansaço físico dos artistas, explícito diante das câmeras.

O extraordinário acaba por perder o encanto quando vira rotina. Não é que o fã deixe de gostar ou admirar seus ídolos, mas a falta daquela expectativa quase religiosa para ver um videoclipe, uma performance ou entrevista desapareceu.

Escala global: Michael Jackson transformou o videoclipe em cinema e levou o pop a dimensões planetárias, provando que ícones moldam eras inteiras. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

Todas essas etapas foram sequestradas pelo scroll infinito criado em cima de roteiros e dias de gravações de conteúdo para as redes.

O pop sempre foi além da música e precisa de hiatos para a construção de narrativas que verdadeiramente conseguem criar desejo, imaginário e movimentar as massas.

Os grandes nomes da indústria pop, como Cher, Britney Spears, Madonna e Michael Jackson, não construíram seus impérios só com música. Eles criaram universos completos e definiram a estética da indústria do entretenimento.

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  • Cher foi ousada ao usar sua sensualidade e criar um ponto de identificação através de seus looks na tv nos anos 70.
  • Britney, com coreografias e refrões que estão colados no imaginário mundial, tem figurinos que viram fantasias de Halloween e carnaval todos os anos.
  • Madonna usou sua música, imagem e talento para fazer dos limites uma forma de reinvenção, questionando as regras impostas pela indústria, religião, gênero e sexualidade sem pedir licença.
  • Michael Jackson transformou o videoclipe em cinema popular, coreografou o mundo e levou o pop à escala planetária.
  • Lady Gaga elevou o posicionamento e o ativismo político dos artistas para outro patamar ao juntar o maximalismo da alta-costura, a arte performática e a coragem para se manifestar em momentos esporádicos.

O denominador comum? Controle da narrativa e distância estratégica.

A ausência estratégica: Beyoncé só aparece quando tem algo grandioso a entregar — cada turnê, álbum ou performance é um evento completo que molda a cultura pop. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

Nessa lógica, a estrela não é um feed, mas sim um enigma sendo decifrado em capítulos: o videoclipe, a entrevista rara, o álbum, uma apresentação em alguma premiação.

O público vê menos, imagina mais e, consequentemente, sente mais a presença dos artistas em outras áreas, como no cinema, nas séries, livros e projetos especiais.

Existe uma espera pelo próximo passo. É a espera que constrói o desejo. Quando o artista aparece é para dizer algo. Sua imagem, quando exposta, não é de fábrica de microconteúdos, mas um projeto cheio de estratégias, pesquisas e conceitos por trás.

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A hipervisibilidade dos “ícones” de uma semana

Na internet, basta um hit, um look no tapete vermelho, um meme certeiro ou até mesmo recusar trocar de assento no avião para alguém virar “ícone”, “diva” ou “rainha” nas redes.

É carinhoso, é divertido, mas também banaliza. Se tudo é icônico, no fim nada é.

O ícone de verdade ainda pede três coisas: tempo, consistência e virada de jogo.

  • Tempo para a obra respirar.
  • Consistência para o público reconhecer propósito mesmo nos tropeços.
  • Virada de jogo para deslocar a conversa, abrir novas portas, marcar estéticas.

O rótulo não se conquista com viral, mas com impacto que sobrevive ao próprio hype e se torna atemporal.

A performance como ritual: shows icônicos, como o do Super Bowl, provam que presença pontual pode ter mais impacto do que mil postagens. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

A palavra mágica sempre foi “autenticidade”. Mostrar vulnerabilidade conecta, cria comunidade e humaniza, mas a intimidade pública nunca é pura: sempre há filtro, câmera, edição, escolha. Não é falsidade, é performance. O problema começa quando a performance insiste em dizer que não é performance.

A honestidade possível talvez seja assumir que existe um personagem, mesmo quando ele é uma versão nossa. Isso não elimina a potência da conexão, só ajuda a olhar para o pop com menos ingenuidade e mais consciência.

E então, ainda existem ícones?

Hoje, ser estrela é caminhar entre humanidade e espetáculo, intimidade e marca. O público exige contradições: quer que o ídolo seja “gente como a gente”, mas também que seja maior, mais bonito, mais interessante.

Quer proximidade e distância na mesma dose. Quem dá demais, satura. Quem dá de menos, parece distante e frio.

A era das divas intocáveis: Britney Spears redefiniu a cultura pop com coreografias icônicas e presença midiática sem precisar da hiperexposição das redes. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

Nesse equilíbrio, o silêncio estratégico volta a ser ferramenta importante. A pausa para uma boa curadoria e aperfeiçoar a imagem pública é ouro nas mãos de quem souber usar. Não para negar o presente, mas para não se perder nele e em sua efemeridade.

Afinal, um ícone não se mede pela quantidade de posts, mas pela sua capacidade de transformar cada aparição em impacto cultural.

Usando o crossmedia para estar presente nos múltiplos caminhos que a arte oferece.

O pop sempre reinventou seus próprios deuses. A diferença talvez seja que agora vários ícones coexistem no mesmo espaço-tempo, porém em bolhas distintas e ampliadas pelas redes sociais.

Isso se os parâmetros ainda forem os mesmos: ícone não é quem estoura na mídia, é quem funda a memória, seja numa escala planetária ou dentro de uma comunidade que reverbera para além dela.

A reinvenção como marca registrada: Madonna sempre desafiou regras e redefiniu padrões culturais, consolidando seu status como “Rainha do Pop”. Imagem: Reprodução Youtube | Edição: Agência CSP

O novo pacto na construção do “ícone pop”

No fim, talvez a resposta seja menos saudosista e mais pragmática: ícone pop é quem consegue equilibrar conexão e distância, presença e silêncio, humanidade e mito. É quem não se perde no ruído, mas organiza o barulho em melodia.

Ícones não são números de streams. Eles são a soma do conjunto da obra + contexto histórico de seu tempo + ampla admiração pública. Ícone é quem conversa com o agora e continua relevante depois.

E você, quem coloca nesse altar contemporâneo? Beyoncé? Kendrick? Algum nome que surgiu no digital e já moldou o vocabulário de uma geração?

A conversa está aberta, porque o ícone, no fundo, também é aquilo que a gente escolhe acreditar.

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